Lucas Alexander Graf, 19/10/23
O terror é uma constante dentro de todas as mídias de entretenimento. Seja em filmes, séries ou até mesmo em situações que não esperamos, o terror é um material consumido e adorado por muitos. Ao mesmo tempo que gostamos da sensação de ouvir a música aumentar enquanto uma situação aterrorizante está para acontecer, quanto o desprazer de não ter nossa expectativa correspondida ao final de um filme, o terror é um assunto muito delicado a se tratar dentro de uma história, sobretudo dentro de uma mesa de RPG. A situação para muitos mestres ou jogadores que desejam se aprofundar dentro desse gênero é de entender o conceito e saber aplicar dentro de uma campanha. Muitos jogadores já experienciaram uma mesa que não tinha nenhum tipo de clima de terror e que se tornou apenas uma aventura comum contra criaturas mais deformadas, ou um terror que parecia tão desconexo com a história principal que não parecia ser mais do que uma "história de fogueira" para os personagens e, especialmente, para os jogadores.
Nas últimas mesas que fui narrador e, mais recentemente, em um convite para narrar uma sessão especial de terror voltado para um grupo já formado que seguia uma campanha longa, eu consegui aprender muito sobre como trabalhar dentro do terror e dominar essa técnica tão especifica e delicada que é a de causar o medo em um personagem. E mais ainda: no próprio jogador.
Eu sempre fui um grande fã do terror e do horror. Como qualquer criança medrosa, fui sempre exposto a situações que me criaram muito medo e dormir as vezes era bem dificil. Mas, conforme fui crescendo, meu fascínio pela "segurança" que o terror me trazia foi me tranquilizando. Eu aprendi a ver a beleza no estado de arrepio, a sentir o coração bater mais forte enquanto adentrava em algum assunto que me trazia desconforto e até mesmo de me aventurar em casas abandonadas no começo da minha adolescência. Entender e me expor ao medo desde muito cedo me fez entender ele melhor e então, apreciar ele, em especial na literatura. O trecho de maior terror que senti não foi em contos de horror ou de histórias macabras feitas para me criar essa sensação, mas sim em uma história onde, ao me colocar na pele do personagem e na consequência de seus feitos, ele foi acometido por uma terrivel decadência. Estou falando de Winston, em 1984 de George Orwell. Além de contos voltados para o terror onde minhas expectativas foram jogadas ao chão, como A coisa na soleira da porta de Lovecraft e Eu não tenho boca e eu preciso gritar de Harlan Elisson são ótimos contos para que todos os meus medos primais pudessem ser expressos. Enquanto lia esses contos eu senti uma solidariedade, até mesmo um certo zelo pelo meu próprio medo: Eu não estava sozinho. Eu sentia os medos que as pessoas sentiam. E isso me tornou mais humano. E desde então, eu me dediquei ao gênero de terror, transmitir essa sensação para as pessoas, desde histórias, até mesmo para os meus jogos de terror.
O gênero de terror está geralmente ligado a fantasia e a ficção especulativa, algo que não pode ser explicado (ou sua explicação causa muita tensão). Existe uma diferença entre horror e terror que pode ser resumido, de forma bem simplória, ao seguinte: O terror é voltado para o psicológico, enquanto o horror é voltado ao físico. O terror cria a atmosfera de suspense, onde a explicação não se trata de nada sobrenatural, mas sim de um estado de espírito do protagonista de uma história onde sua sanidade é questionada dentro de uma situação aparentemente comum, histórias que podem no fim ter um contexto sobrenatural (Como A Bruxa, de Ali Aster ou diversas histórias de Edgar Allan Poe). Já as histórias de horror já são voltadas de forma mais apelativa, com monstros, sobrenatural e todos os outros fatores que podem criar a situação de enfrentamento contra algo que não podem destruir. Os exemplos mais comuns do Horror são monstros como Frankstein ou seres folclóricos como Vampiros (Drácula, Carmilla), lendas de Múmias, entre outros. A ficção cientifica e o medo do futuro também entram muito forte nessas questões, os próprios contos de Lovecraft são muito voltados ao horror, em citar criaturas inexplicáveis e os efeitos que pessoas comuns tem ao lidar com as situações.
Mas onde entra o medo nisso tudo? Para um Mestre de uma mesa de RPG, como realmente criar o medo dentro de uma mesa, fazer com que os jogadores tenham o receio de seguir em frente com medo do que vai acontecer? O medo se manifesta de muitas formas para as pessoas, por isso é muito importante conhecer as pessoas com quem você vai jogar. Muitas vezes uma história de fantasmas não vai assustar uma pessoa que seja mais cética, que irá lidar isso como apenas um tipo específico de inimigo, já uma outra pessoa pode ter medo apenas quando o personagem está ameaçado de morte. Pessoas costumam ter medo quando elas são confrontadas para fora de suas zonas de conforto, mas elas sentem o terror quando encontramos os medos primais delas.
Todas as pessoas possuem medo de alguma coisa. Nos dias de hoje, temos medos em comuns com muitas pessoas, que precisam serem entendidos e dissecados na sua forma mais pura. Pense por um segundo: Por que um Xenomorfo (Alien) é tão aterrorizante? Por que uma lenda de Loira do banheiro ou por que algumas pessoas tem medo tão "bobo" quanto palhaços, ou balões, ou até mesmo de entrar em uma piscina? Como seres que vivem de experiências, nós acumulamos memórias em nossa infância que são carregados por nós para as vidas maduras, uma experiência ruim nas férias de verão pode ter criado um trauma que vai te acompanhar pelo resto da vida, mesmo que inconscientemente. Pessoas possuem medo de altura, medo de se afogarem, medo do fogo, medo de mexer com eletricidade, medo de florestas a noite, medo de estradas a noite, o próprio medo do escuro. Todos esses medos (que sempre são fobias), são criados por nossa mente com um único propósito: sobrevivência. Nossos pensamentos primais sempre são voltados a nossa sobrevivência. Monstros invencíveis, situações que nos colocam em risco em qualquer grau geralmente tendem a nos criar um certo nivel de medo. Nossas histórias carregam conosco o grau de medo que nós temos de várias coisas e é muito importante nos conhecermos antes de espalharmos essa sensação para outras pessoas.
Mas então, e os outros medos de que para alguns são tão incoerentes, como tripofobia? O formato de esferas em corpos humanos, círculos perfeitos desenhados em rostos, em objetos, causa tanta repulsa pelas pessoas? Eu imagino que alguns que tenham esse tipo de fobia devem estar imaginando as imagens agora. E se perguntando por que essas imagens causam coceira no corpo quando se é imaginado.
Todas as fobias seguem um padrão mais primal, seja pelo medo da diferença, seja pela nossa segurança, nossa sobrevivência, ou somente pelo medo real do desconhecido e por não sabermos o que vai acontecer conosco. E por que, mesmo com todas essas repulsas de nossa mente, nós buscamos o terror? Por que reclamamos do protagonista do filme que vai em direção ao corredor escuro quando nós mesmos queremos que nossos personagens façam o mesmo dentro de uma mesa, enquanto todos estão aguardando uma escolha que pode ser o resultado de um final satisfatório ou um final trágico dentro da sessão? Pessoas estão tentando naturalmente se superarem a cada segundo. Uma pessoa está buscando essa adrenalina e, principalmente, a recompensa de saber que sobreviveu e que passou por tudo isso. Quando entramos em uma montanha-russa e estamos descendo a toda velocidade, podemos sentir medo, mas estamos sempre felizes no final dela. E isso também é para todo objeto que cause adrenalina: sentimos medo e depois que superamos, está tudo bem. E essa é uma das principais essências do medo.
A essência do terror dentro de uma mesa deve ser exatamente isso: Criar uma dificuldade que pareça um véu de incerteza, e faça seus jogadores atravessarem isso, superarem os desafios e entenderem que as escolhas deles possuem consequências cada vez mais tenebrosas. Muito mais do que músicas preparadas para criar a tensão ou falar que está muito escuro, a narração deve ser lenta e cuidadosamente preparada. Não tenha medo de gastar um tempo para criar um ambiente. Atenção: ambiente, não cenário. Muitas vezes, detalhar demais o cenário não ajuda, detalhar como a mansão mal-assombrada está caindo aos pedaços já é algo que a pessoa pode entender ao estar adentrando esse local, mas descrever um ruído em uma tábua quando os personagens passam por ela e no futuro, enquanto eles estão em outro ambiente, utilizar a mesma descrição pode indicar que algo está à espreita. E o pior: Eles não sabem o que está vindo.
Criar lacunas dentro da sua narração para que os jogadores depositem suas inseguranças por ali, mesmo que inconscientemente, fazem com que você entenda o ambiente com quem está lidando e os jogadores. A missão de descobrir o medo deles é muito sutil e pode levar um tempo e, talvez, algumas sessões para acontecer. Mas a ideia de descobrir o que se passa dentro da cabeça de alguém e brincar com suas expectativas pode ser muito interessante. Às vezes, um jogador que espera um encontro com alguma criatura em determinado momento da mesa, pode não receber esse encontro naquele momento. E isso vai plantar a semente da dúvida de quando isso vai acontecer. E esse sentimento vai crescer até o ponto que você deseja. Ou, caso você realmente queira brincar com a ideia do terror, não entregar nunca a esse jogador um encontro de fato, fazer com que ele esteja sempre preparado para algo que talvez nunca chegue as vezes é um terror maior do que o de realmente haver algo: O de não existir nada.
Sugestão é um outro truque muito interessante. Faça com que os jogadores sempre imaginem o que existe atrás do escuro. Dê pistas pequenas do que pode ser, se são passos, se são sons estranhos ou simplesmente é um objeto que bate e cria um som que pode ser interpretado como um monstro, mas na realidade é apenas isso: um barulho. Brincar com as expectativas já foi citado aqui e é uma ferramenta muito poderosa para a narração do terror, a todo momento deixar as coisas muito nebulosas causam uma sensação de inquietação nas pessoas. Eles esperam enfrentar o desafio assombroso, mas isso pode nunca realmente acontecer. Nós, como pessoas, precisamos de respostas para as coisas. E os personagens também precisam disso. Cabe a você querer entregar isso logo de cara ou não.
Em cenas de ação, como fazer um guerreiro destemido e superforte ter medo em uma batalha? É quando entramos nos medos primais para criar uma situação onde o jogador tenha receio. Se o jogador tem medo de aranhas, uma boa ideia é trabalhar a descrição mais detalhadamente de um inimigo com múltiplos olhos negros e diversas patas peludas, que se aproxime muito rápido ou que não dê tempo para uma defesa. Se estão lidando em um ambiente mais ameaçador, talvez uma quantidade de inimigos que surjam de uma única vez pode ser o momento de tensão do jogador, que não saberá quem atacar primeiro e criar a dúvida. E a dúvida faz com que ele cometa os erros, nesse caso, erros bem punitivos (ele deve acertar o inimigo mais próximo, ou arriscar tomar uma flecha envenenada que o paralisará e o tornará completamente inútil em batalha, a mercê de uma quantidade de inimigos?). O terror vem de muitas formas e é importante saber explorar. Muitas vezes personagens podem ficar presos em um único corredor com medo das consequências de atravessarem a porta, ou até mesmo com a agitação para sair logo de um ambiente que eles achem serem amaldiçoados. O fato do RPG ser um jogo colaborativo também cria uma tensão entre os próprios jogadores, que utilizam dos personagens para poderem seguir caminhos distintos em um ambiente como esse, exatamente como em um filme Slasher.
O terror ou horror podem ser tanto o tema central de uma história como um dos gêneros que será abordado. Por ser um gênero muito variável, é comum ele sempre estar mesclado com uma história de ação, uma trama onde os jogadores precisam enfrentar um culto maligno, descobrir onde uma besta se esconde ou até mesmo dentro de uma história de drama. Algumas pessoas conseguem até mesmo mesclar o erotismo dentro do horror, como um de meus artistas favoritos. Hans Ruedi Giger (também chamado H.R Giger), onde suas obras geralmente mesclam o erotismo com máquinas e seres grotescos. A forma como todos esses gêneros podem ter uma dança harmoniosa é também um desafio para jogadores. E especialmente para o mestre. É importante ter a ciência de quais são os objetivos da mesa: descobrir um mistério aterrorizante, ou priorizar uma aventura, tendo nuances de terror que façam com que os personagens mais valentes tenham um momento de indecisão? Criar uma aventura feita para que todos os personagens sucumbam a loucura, ou que estejam prontos para realizar feitos heroicos em seus últimos instantes? Tudo gira em torno do objetivo principal da mesa. Se você pretende assustar, então assuste. Mas não perca os objetivos da mesa. Faça com que os personagens tenham mais momento entre eles. Muitas vezes deixar os jogadores em um ambiente escuro faça com que eles criem mais a necessidade do seu personagem de reagir para sair daquele lugar, ou aceitar aquele destino. Quando as pessoas estão nos momentos de tensão, elas mostram suas verdadeiras formas, personagens calmos podem ficar instáveis, personagens valentes podem ficar mais receosos e personagens hiper carismáticos e engraçados podem ficar muito sombrios. A dosagem de uma boa história vem com um equilíbrio entre deixar os jogadores reagirem ao terror, não sendo impostos a participar do terror.
O terror é uma ferramenta muito poderosa. De todas as emoções que podem ser causadas dentro de uma mesa, o medo do desconhecido real é algo que poucas pessoas podem chegar e sentir. E é exatamente esse o sentimento que você deve buscar para si: Fazer com que cada uma dessas pessoas se lembre exatamente de onde foi o momento em que ela sentiu sua nuca arrepiar pela primeira vez, a primeira vez que ela ficou sozinha no escuro, a primeira experiência que a fez ver o mundo de uma outra forma. E é claro, que entendam a si mesmas no final de toda essa experiência.